Reportagem

Estado civil: à espera de legalização


Casado. Este é um estado que ainda nem todos os portugueses podem ter no Bilhete de Identidade. Uns porque ainda não encontraram a pessoa ideal, outros porque não têm idade suficiente, alguns porque não têm condições financeiras…Muitos porque são do mesmo sexo que o parceiro. Há quem diga que isso seria contra a natureza ou as leis de Deus, outros continuam a lutar. Primeiro, contra uma sociedade que dizem ser ainda muito discriminatória, segundo, por uma lei que lhes permita escolher casar e adoptar crianças como tantas pessoas o fazem. Pessoas que têm a diferença de ter um companheiro de sexo diferente.

DIOGO (nome fictício) conseguiu dizer a alguém que era gay, tinha dezoito anos. Na altura, havia ingressado no curso profissional de Interpretação. Estava a viver longe dos pais, o que “ajudou bastante no processo de auto-aceitação”, confessa o jovem. Até então, pensava que “ser gay era uma deficiência”, um "defeito", que tentava colmatar ao "querer ser sempre o melhor em tudo."
Na procura pela identidade sexual, sempre que Diogo via algo relacionado com a homossexualidade, "achava que não tinha nada a ver” com ele, apesar de, "no fundo", saber que sim. Contou primeiro à mãe e só depois ao pai e aos quatro irmãos, todos eles rapazes e heterossexuais. Do pai, confessa que, por vezes, ia sentindo “uma hostilidade quase não manifestada.” Durante o processo gradual de aceitação, ia pesquisando assuntos na Internet mas a pouca informação que havia disponível não era suficiente, relembra o jovem.
Actualmente, tal como Diogo, são cada vez mais os jovens adolescentes que procuram informação na Internet, à procura de respostas sobre a identidade sexual. Foi também pelo mesmo motivo que surgiu o primeiro site gay português, PortugalGay.PT. Explica João Paulo, fundador e editor do site, que a ideia surgiu da necessidade do companheiro ver disponível informação online escrita “em português de Portugal”, sobre a homossexualidade. Hoje, o site "já é pai" de muitos filhos, entre eles, o projecto CasamentoCivil.org, conta com orgulho, o activista portuense. O portal foi criado especificamente para abordar o assunto dos casamentos homossexuais. Do lado do público, chegam a João Paulo muitas questões do foro jurídico, mas a popularidade do sítio, vai trazendo, por vezes, conteúdos indesejados. Relembra o editor que numa das mensagens recebidas, o caso teve de ser denunciado à polícia, tendo sido descoberto que a pessoa em causa era um pedófilo procurado pelas autoridades.

Pedofilia não tem orientação sexual
A associação entre os termos pedofilia e homossexualidade é uma realidade frequente para alguns portugueses. O deputado do Partido Popular Monárquico (PPM), Nuno da Câmara Pereira, referiu-se à pedofilia quando discursava de casamentos homossexuais, na Universidade do Minho. A relação valeu-lhe a crítica de atitude “intelectualmente desonesta” por parte de Paula Nogueira, membro do Bloco de Esquerda de Braga. Também o padre da Arquidiocese de Braga, José Vilas Boas e Sá considera que o casamento homossexual ameaça a sociedade, numa trilogia de sucessões: “Primeiro foi a questão do aborto, agora é a dos homossexuais, só espero que amanhã não seja a da pedofilia”. Relacionar a pedofilia prática com a homossexualidade é um mito que está na base de um fenómeno mediático. Explica a socióloga da Universidade do Minho, Ana Maria Brandão, que a confusão dos termos deve-se, sobretudo, ao conhecimento que se faz passar, através dos media, de "casos de pedofilia entre crianças do mesmo sexo do abusador." Quando, na realidade, esclarece Paula Nogueira, “a maior percentagem de casos de pedofilia provêm de relacionamentos heterossexuais que ocorrem no seio das famílias.”

Padre a favor de uniões homossexuais
Esclarecido de preconceitos está o padre Salvador Cabral, pároco de Nine, que encontra na ciência, a resposta para os problemas que a Igreja não tem meios para justificar: “Nesse aspecto, eu concordo mais com o que a ciência tem a dizer”. Conhecedor dos livros de Daniel Sampaio e leitor assíduo da actualidade, aquele que arrecadou o título de “padre progressista”, nos anos 70, quando partiu em missão para Angola, vê a homossexualidade como uma “tendência natural dos indivíduos”. O escritório, pegado à igreja, replete-se de livros, entre os quais, "Ritmos de Esperança”, um cancioneiro da autoria do padre Salvador Cabral, do qual retira um excerto de uma música para explicar a igualdade de um homossexual, perante a Igreja: “Cada rosa, cada cravo, cada flor. Como é, tem direito de crescer.” O padre que falou à SIC numa Grande Reportagem sobre homossexualidade na Igreja, defende, contudo, que o casamento deve manter-se para casais de sexos diferentes, embora mostra ser a favor das uniões civis homossexuais e admite a possibilidade de um dia, aquelas virem a abençoar-se: "A palavra de Deus não é para heterossexuais, é para todos”, refere o pároco.

O ponto de vista do padre Salvador Cabral parece ser raro, no seio da Igreja Católica. O padre da mesma arquidiocese, José Vilas Boas e Sá considera que vai contra a natureza de Deus, unir pessoas do mesmo sexo. Num escritório do imponente edifício da Arquidiocese de Braga, mesmo em frente à “Casa sacerdotal”, o padre Vilas Boas e Sá esclarece que os homossexuais não podem ter as mesmas funções que tem um fiel comum. Para além, de que diz não haver "legitimidade" para um homossexual exercer a actividade de catequista, os paroquianos não iriam aceitar: “Eu se puser um catequista homossexual à frente de um grupo de catequese, tenho a paróquia quase toda contra mim.” Constata-se que nas ruas do Porto, Braga e Bragança foram poucas as pessoas que se mostraram a favor do casamento civil homossexual. Também Nuno da Câmara Pereira faz também parte do conjunto de pessoas que defendem que o casamento deve ser para pessoas de sexos diferentes, pela complementariedade física e psicológica de ambos e porque o casamento homossexual põe em causa a família e a reprodutibilidade, do nosso país: "A família, em crise neste momento, só pode ser resolvida entre a comunhão de dois seres naturalmente diferentes.”

Diferentes são as opiniões em relação ao tema. De um lado, a religião, do outro, a política. De um lado, aqueles que vêm na questão o “matrimónio”, imaginando, à semelhança do que vêem entre homem e mulher, dois homens ou duas mulheres a subir ao altar de véu e grinalda. Do outro, aqueles que consideram que todos devem ter os mesmos direitos e assinar os mesmos papéis no Registo Civil. "Nós lutamos pelo termo casamento", diz António Serzedelo da Opus Gay, referindo-s ao artigo 13º da Constituição Portuguesa. Argumentos variados que dividem a sociedade. Tema trazido à tona desde que foi levado ao parlamento, a 10 de Outubro de 2008 e que foi colocado na agenda política do Partido Socialista. Muitas condicionantes que não permitem prever, se já esteve mais perto ou mais longe, pedir o BI a um homossexual e poder ler-se: “Estado civil: casado.”

Casamentos homossexuais | Universidade do Minho | Instituto de Ciências Socias | Ciências da Comunicação | Braga, 2009